AUTOR: Chico Carneiro
Sinopse
Uma estória onde o conflito
interno e a obrigações externas se confrontam com total força. Um caso onde
muitas pessoas vivem escondidas atrás de uma falsa felicidade, mais preocupada
com sua aparência do que com sua felicidade. E mostrando as conseqüências de
uma vida mentirosa e desleal com o que você é de verdade.
A estória retrata a vida de
um cidadão comum, mas que encontrou a homossexualidade no seu caminho, como
acontece com muitos por ai a fora, mas que não sabe aceitar sua condição e
acaba por entrar num caminho muito mais tortuoso. Dando assim, um trágico fim
para o personagem, com a esperança de encontrar alguém ou um lugar menos
inóspito para amar e ser feliz do seu jeito
Cenário
·
Cadeira de rodas
·
Mesa pequena
·
Copo de vidro
·
Cápsula
·
Cigarro e isqueiro
·
Cinzeiro
·
Aste de soro
·
Soro
·
Manta de frio branca
Figurino
·
Roupa de hospital
·
Roupa de enfermeira
Personagens
·
João Hélio
·
Enfermeira
Pederanistia
(Entra
enfermeira empurrando a cadeira de roda até a marcação)
(Musica
Legião Urbana – 19)
É difícil falar de alguém próximo. É bem mais
fácil falar de quem não conhecemos. Destruir com a vida dela e depois falar com
ela como se nada tivesse acontecido. Mas sempre é assim que as coisas
acontecem.
Se fala, fala e somente
fala. Por que não procura entende-la? Ouvi-la?
Procurei viver o máximo na
ausência das pessoas para evitar fofocas e más falações. Tinha uma vida normal
ou aparentemente normal. Estudei, me formei e trabalhava pra ganhar meu
sustento como todo mundo faz. Comecei cedo na vida e cedo também vieram às
descobertas, bem como seus momentos austeros e insípidos.
(Toma
uma cápsula)
Na minha infância sempre fui
muito cobrado e exigido; “Tenha as melhores notas, fala direito menino,
endurece essa munheca e vai jogar bola”.
Às vezes o que precisava não
era jogar bola e sim um olhar de entendimento e de acalento. Alguém que me
fizesse ser um pouco mais normal ou comum, quem sabe até gostar das mesmas
coisas, dos mesmos assuntos ou olhares. Se bem que, realmente gostava de ver
futebol, principalmente dos jogadores, não conseguia entender o porquê de eles
tomarem mais a minha atenção do que a bola. Então, acabei percebendo que
realmente algo me diferenciava dos outros. Mas também acabei por deixar essas
sensações passarem por mim e na época não me assustava como na minha adolescência.
Estava mais preocupado com o próximo episódio dos cavaleiros do zodícoacos do
que com isso tudo.
(Tosse
forte)
E foi assim que passei a
minha infância, entre peraltices normais e sensações anormais. Mas então chegou
a mais fulgurante e bela fase pra pessoas, assim como eu, a adolescência.
Repleta de descobertas com seu pinto e com seus sentimentos mais imundos e
jamais pensado antes.
Estava mais interessado
agora em saber a fonte mais prazerosa, mesmo que fosse uma cadeira, pra tentar
matar o viço da tenra idade. Mas ai existe pessoas que conhecemos e
principalmente a sua família que te cobram a namorada, o futebol e as vezes até
te presenteiam com revistas pornôs e esperam te pegar se masturbando enquanto
você olha.
Se bem que isso aconteceu,
só que mais uma vez era outro foco diferente a ser visto por mim, e certo dia
me vi vendo uma dessas revistas quando um primo meu chegou e eu estava
excitado, não pelas belas pernas da morena que estava na revista e sim por um
belo par de bíceps de um loiro que lá
estava pra me desviar olhar. E quando menos esperava vi já o meu primo em plena
desenvoltura e o toque foi quase que sublime, pois foi exatamente naquela hora
que percebi o que eu realmente era e do que gostava.
Passado um tempo, (Olha num espelho – verso do espelho com o
nome “soro positivo”) percebi as conseqüências das nossas atitudes, e principalmente
das nossas escolhas, e eu já sabia que a partir ali as coisas não seriam fáceis.
Logo vi que minha família
esperava muito mais do que uma simples namorada e queria agora que eu
constituísse uma família e que ela fosse modelo de retidão e felicidade. E foi
assim que conheci Mariana, uma moça meiga e afável, que não merecia passar
todas aquelas atrocidades que um falso casamento poderia trazer.
Até que no começo foi
maravilhoso, muitas descobertas, principalmente para mim, pois ainda não estava
acostumado com uma vagina, se bem que não era tão ruim assim, só que ainda
preferia um peito másculo do que as belas protuberâncias da ex- esposa. (Olha pra mão com a aliança)
Sustentei ainda toda aquela
fantasia e sonho da minha família, e não o meu, por uns quatro anos. Foi
exatamente no período que conheci o Vanderson. Um moreno de tirar o fôlego e
fazer as pernas tremerem.
Ele trabalhava como Office
boy na mesma empresa que eu trabalhava como supervisor. Logo matinha muitos
contatos e sempre eu estava a precisar dos seus serviços. E todo índio
reconhece outro, mesmo que seja a quilômetros de distância.
E num final de tarde de
outono, estava eu carente e sem rumo, precisando apenas de alguém que me
entendesse e não viesse com o mesmo olhar que meu pai fazia, quando eu falava
de moda e novela. Estava muito mal naquela tarde e parecia que naquele dia o
mundo inteiro tinha resolvido brigar comigo.
Desci na garagem pra pegar
meu carro e não havia observado que o Vanderson estava atrás do meu carro,
urinando. A principio me assustou, mas percebi que na hora eu poderia esta
diante de uma oportunidade de afogar as minhas tristezas e ressentimentos numa
simples transa, mas jamais daria o primeiro passo, afinal eu era casado e muito
bem visto dentro da empresa. Tinha que encontrar um meio que fizesse o cara
perceber que estava afim, mas ele quem deveria tomar a iniciativa. E fiz o que
exatamente um gay mal resolvido faria. “Opa, beleza”; ele se assustou e logo
veio me pedir desculpas, pois estava muito apertado e não tinha como segurar
mais. Então retruquei na hora e disse a ele que o problema não era ele colocar
o pinto pra fora, seria o mau cheiro que a sua urina iria deixar.
Ele sorriu de lado (Pega o cigarro e acende) e logo me
olhou fixo, e percebeu que estava sim, precisando dele, mas não como Office
boy.
E no carro mesmo aconteceu.
Cheguei em casa mais arrasado do que já estava, com a sensação de vergonha e
mau caratismo.
Doía-me ver minha esposa a
me esperar com o jantar que havia preparado com dedicação e ainda disposta a me
dar prazer se quisesse. Então, logo comecei a fase de estar sempre ocupado,
cansado, a tratá-la com ignorância. Mas na verdade isso tudo era medo, medo da
vida, medo da solidão, eu não queria terminar a minha vida sozinha, pois eu já
estava sozinho, não tinha ela como companheira, pois não me sentia completo.
Mas a droga do medo da solidão acabou com minha vida. Tomou-me o resto de
esperança que ainda tinha. Só que já havia começado a traçar a minha estrada e
errada por sinal, não tinha como voltar atrás. Eu sabia, sempre soube, que se
eu fosse covarde as conseqüências seriam piores, pois o medo nos ilude. Deveria
ter tido coragem e tentar viver isso da melhor maneira. Mas acabei emaranhado
pela teia do medo e principalmente da solidão. (Suspira fundo) Ah solidão. O resto já era previsto.
(Musica
Legião Urbana – 16)
A coisa foi se estendendo, e
logo percebi que tipo de pessoa ele era. Um michesinho, que se aproveitava de
pessoas assim como eu. Mas já era tarde, tarde demais pra me livrar dele.
Estava apaixonado e me vi num beco sem saída.
A conseqüência foi minha
esposa pegar ele e eu na cama, e a separação (Tira a aliança do dedo e coloca dentro do copo) foi consumada.
E com a separação veio
também as fofocas e o desprezo da minha família, o preconceito nas ruas e no
meu emprego. Acabei sendo despedido e para viver recebia dinheiro da minha irmã.
Assim, assumi a minha vida
pederasta, (diz com raiva e gritando), com
toda força, freqüentei os lugares mais promíscuos que se possa imaginar, o sexo
funcionava mais que um entorpecente do que mesmo prazer pra camuflar meus medos
e angustias, e saia deliberadamente me enchendo de sexo e solidão. Mas então
porque me culpam, porque me mal tratam. Já não é o bastante viver assim, já não
é o bastante ter que enfrentar o mundo que te aponta e te descrimina. O que
tenho que fazer? Diga-me. Já disse toda a verdade, não estou mentindo mais. Sou
gente também, sou como qualquer um.
(Arranca
o soro do braço)
Mas quando tudo esta perdido
sempre existe uma saída. Hoje, tive febre, a tarde inteira e parecia que a
felicidade havia sumido do mundo.
Só queria estar bem, (Tremulo acende um cigarro) e viver
como qualquer outro. Mas nada é fácil e sei que teria que enfrentar isso.
Agora estou inválido e
doente, não do meu corpo, mas da minha alma. Eu só queria amar sem sentir o
medo ser feliz e poder atirar-me na vida.
Mas vou sem medo agora, vou
viver, vou encontrar o meu... (o cigarro
cai da mão)
(Musica
Legião Urbana – 13) e na seqüência entra a enfermeira e cobre o corpo
desfalecido e o retira de cena.
Blackout
FIM