quarta-feira, 23 de outubro de 2013

PEDERANISTIA - ESQUETE


AUTOR: Chico Carneiro

 

 

Sinopse

 

Uma estória onde o conflito interno e a obrigações externas se confrontam com total força. Um caso onde muitas pessoas vivem escondidas atrás de uma falsa felicidade, mais preocupada com sua aparência do que com sua felicidade. E mostrando as conseqüências de uma vida mentirosa e desleal com o que você é de verdade.

A estória retrata a vida de um cidadão comum, mas que encontrou a homossexualidade no seu caminho, como acontece com muitos por ai a fora, mas que não sabe aceitar sua condição e acaba por entrar num caminho muito mais tortuoso. Dando assim, um trágico fim para o personagem, com a esperança de encontrar alguém ou um lugar menos inóspito para amar e ser feliz do seu jeito  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cenário

 

·        Cadeira de rodas

·        Mesa pequena

·        Copo de vidro

·        Cápsula

·        Cigarro e isqueiro

·        Cinzeiro

·        Aste de soro

·        Soro

·        Manta de frio branca

 

Figurino

 

·        Roupa de hospital

·        Roupa de enfermeira

 

Personagens

 

·        João Hélio

·        Enfermeira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pederanistia

 

(Entra enfermeira empurrando a cadeira de roda até a marcação)

(Musica Legião Urbana – 19)

 É difícil falar de alguém próximo. É bem mais fácil falar de quem não conhecemos. Destruir com a vida dela e depois falar com ela como se nada tivesse acontecido. Mas sempre é assim que as coisas acontecem.

Se fala, fala e somente fala. Por que não procura entende-la? Ouvi-la?

Procurei viver o máximo na ausência das pessoas para evitar fofocas e más falações. Tinha uma vida normal ou aparentemente normal. Estudei, me formei e trabalhava pra ganhar meu sustento como todo mundo faz. Comecei cedo na vida e cedo também vieram às descobertas, bem como seus momentos austeros e insípidos.

(Toma uma cápsula)

Na minha infância sempre fui muito cobrado e exigido; “Tenha as melhores notas, fala direito menino, endurece essa munheca e vai jogar bola”.

Às vezes o que precisava não era jogar bola e sim um olhar de entendimento e de acalento. Alguém que me fizesse ser um pouco mais normal ou comum, quem sabe até gostar das mesmas coisas, dos mesmos assuntos ou olhares. Se bem que, realmente gostava de ver futebol, principalmente dos jogadores, não conseguia entender o porquê de eles tomarem mais a minha atenção do que a bola. Então, acabei percebendo que realmente algo me diferenciava dos outros. Mas também acabei por deixar essas sensações passarem por mim e na época não me assustava como na minha adolescência. Estava mais preocupado com o próximo episódio dos cavaleiros do zodícoacos do que com isso tudo.

(Tosse forte)

E foi assim que passei a minha infância, entre peraltices normais e sensações anormais. Mas então chegou a mais fulgurante e bela fase pra pessoas, assim como eu, a adolescência. Repleta de descobertas com seu pinto e com seus sentimentos mais imundos e jamais pensado antes.

Estava mais interessado agora em saber a fonte mais prazerosa, mesmo que fosse uma cadeira, pra tentar matar o viço da tenra idade. Mas ai existe pessoas que conhecemos e principalmente a sua família que te cobram a namorada, o futebol e as vezes até te presenteiam com revistas pornôs e esperam te pegar se masturbando enquanto você olha.

Se bem que isso aconteceu, só que mais uma vez era outro foco diferente a ser visto por mim, e certo dia me vi vendo uma dessas revistas quando um primo meu chegou e eu estava excitado, não pelas belas pernas da morena que estava na revista e sim por um belo par de bíceps de um  loiro que lá estava pra me desviar olhar. E quando menos esperava vi já o meu primo em plena desenvoltura e o toque foi quase que sublime, pois foi exatamente naquela hora que percebi o que eu realmente era e do que gostava.

Passado um tempo, (Olha num espelho – verso do espelho com o nome “soro positivo”) percebi as conseqüências das nossas atitudes, e principalmente das nossas escolhas, e eu já sabia que a partir ali as coisas não seriam fáceis.

Logo vi que minha família esperava muito mais do que uma simples namorada e queria agora que eu constituísse uma família e que ela fosse modelo de retidão e felicidade. E foi assim que conheci Mariana, uma moça meiga e afável, que não merecia passar todas aquelas atrocidades que um falso casamento poderia trazer.

Até que no começo foi maravilhoso, muitas descobertas, principalmente para mim, pois ainda não estava acostumado com uma vagina, se bem que não era tão ruim assim, só que ainda preferia um peito másculo do que as belas protuberâncias da ex- esposa. (Olha pra mão com a aliança)

Sustentei ainda toda aquela fantasia e sonho da minha família, e não o meu, por uns quatro anos. Foi exatamente no período que conheci o Vanderson. Um moreno de tirar o fôlego e fazer as pernas tremerem.

Ele trabalhava como Office boy na mesma empresa que eu trabalhava como supervisor. Logo matinha muitos contatos e sempre eu estava a precisar dos seus serviços. E todo índio reconhece outro, mesmo que seja a quilômetros de distância.

E num final de tarde de outono, estava eu carente e sem rumo, precisando apenas de alguém que me entendesse e não viesse com o mesmo olhar que meu pai fazia, quando eu falava de moda e novela. Estava muito mal naquela tarde e parecia que naquele dia o mundo inteiro tinha resolvido brigar comigo.

Desci na garagem pra pegar meu carro e não havia observado que o Vanderson estava atrás do meu carro, urinando. A principio me assustou, mas percebi que na hora eu poderia esta diante de uma oportunidade de afogar as minhas tristezas e ressentimentos numa simples transa, mas jamais daria o primeiro passo, afinal eu era casado e muito bem visto dentro da empresa. Tinha que encontrar um meio que fizesse o cara perceber que estava afim, mas ele quem deveria tomar a iniciativa. E fiz o que exatamente um gay mal resolvido faria. “Opa, beleza”; ele se assustou e logo veio me pedir desculpas, pois estava muito apertado e não tinha como segurar mais. Então retruquei na hora e disse a ele que o problema não era ele colocar o pinto pra fora, seria o mau cheiro que a sua urina iria deixar.

Ele sorriu de lado (Pega o cigarro e acende) e logo me olhou fixo, e percebeu que estava sim, precisando dele, mas não como Office boy.

E no carro mesmo aconteceu. Cheguei em casa mais arrasado do que já estava, com a sensação de vergonha e mau caratismo.

Doía-me ver minha esposa a me esperar com o jantar que havia preparado com dedicação e ainda disposta a me dar prazer se quisesse. Então, logo comecei a fase de estar sempre ocupado, cansado, a tratá-la com ignorância. Mas na verdade isso tudo era medo, medo da vida, medo da solidão, eu não queria terminar a minha vida sozinha, pois eu já estava sozinho, não tinha ela como companheira, pois não me sentia completo. Mas a droga do medo da solidão acabou com minha vida. Tomou-me o resto de esperança que ainda tinha. Só que já havia começado a traçar a minha estrada e errada por sinal, não tinha como voltar atrás. Eu sabia, sempre soube, que se eu fosse covarde as conseqüências seriam piores, pois o medo nos ilude. Deveria ter tido coragem e tentar viver isso da melhor maneira. Mas acabei emaranhado pela teia do medo e principalmente da solidão. (Suspira fundo) Ah solidão. O resto já era previsto.

(Musica Legião Urbana – 16)

A coisa foi se estendendo, e logo percebi que tipo de pessoa ele era. Um michesinho, que se aproveitava de pessoas assim como eu. Mas já era tarde, tarde demais pra me livrar dele. Estava apaixonado e me vi num beco sem saída.

A conseqüência foi minha esposa pegar ele e eu na cama, e a separação (Tira a aliança do dedo e coloca dentro do copo) foi consumada.

E com a separação veio também as fofocas e o desprezo da minha família, o preconceito nas ruas e no meu emprego. Acabei sendo despedido e para viver  recebia dinheiro da minha irmã.

 

Assim, assumi a minha vida pederasta, (diz com raiva e gritando), com toda força, freqüentei os lugares mais promíscuos que se possa imaginar, o sexo funcionava mais que um entorpecente do que mesmo prazer pra camuflar meus medos e angustias, e saia deliberadamente me enchendo de sexo e solidão. Mas então porque me culpam, porque me mal tratam. Já não é o bastante viver assim, já não é o bastante ter que enfrentar o mundo que te aponta e te descrimina. O que tenho que fazer? Diga-me. Já disse toda a verdade, não estou mentindo mais. Sou gente também, sou como qualquer um.

(Arranca o soro do braço)

Mas quando tudo esta perdido sempre existe uma saída. Hoje, tive febre, a tarde inteira e parecia que a felicidade havia sumido do mundo.

Só queria estar bem, (Tremulo acende um cigarro) e viver como qualquer outro. Mas nada é fácil e sei que teria que enfrentar isso.

Agora estou inválido e doente, não do meu corpo, mas da minha alma. Eu só queria amar sem sentir o medo ser feliz e poder atirar-me na vida.

Mas vou sem medo agora, vou viver, vou encontrar o meu... (o cigarro cai da mão)

(Musica Legião Urbana – 13) e na seqüência entra a enfermeira e cobre o corpo desfalecido e o retira de cena.

Blackout

FIM

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