O Crime do largo do Theberg
O Crime do largo do
Theberg
Já passavam das 00:00 horas
quando ele caminhava pelo largo do Theberg sozinho com seus pensamentos. De
repente ouviu-se um assovio provindo das sombras que um velho casarão declinava
sobre o beco da antiga casa de câmara e cadeia da cidadezinha de Icó. Ele
virou-se. Os estampidos foram secos e luminosos e o silencioso largo foi
acordado com gritos: --- Socorro! Socorro!
Ele era um rapaz no mínimo
intrigante para aquela pequenina cidade. Já havia ouvido da boca de seus
familiares que esta terra era minúscula demais para tanta ousadia. Ousadia essa
que despertava não somente a inveja de alguns, bem como intumescia o pau de muitos
ditosos homens de lá.
Assim, continuava ele a desafiar
os bons costumes e a moral daquela provinciana cidade com seu jeito espalhafatoso,
agudo de ser. Era culto e escrevia sem medo. Atormentava a todos que
freneticamente tentavam esconde-se nas primorosas missas das 17 horas na igreja
da matriz todas as sextas-feiras. Os malditos defensores da moral e dos bons
costumes não sabia o que estavam a fazer. Uma nova inquisição se instaurava em
pleno século XXI contra Almeidinha.
Todo o dia Almeida produzia
mais e mais. Cada vez que se armava de sua caneta, os corações tamborilavam de
expectativas para ver as maliciosas produções provindas daquela cabeça
absurdamente pervertida aos olhos dos farisaicos icoenses.
De vez por outra, o
Almeidinha, assim carinhosamente chamado por seus familiares, produzia algo
menos abominável. Umas poesias perdidas de amor, outras sobre política, mas era
do corpo que ele visceralmente gostava de falar.
Ele falava sem pudores, sem
medo e isso despertava tanto a ira como o tesão em muitos papa-hóstias da
cidade. Até que um confronto se desvelou, saindo das banais futricas das
calçadas para se tornar um embate pessoal. Quase uma guerra.
Falo-vos de um ditoso
advogado daquela famigerada cidade. O Dr. Fausto era homem polido, de formação
burilada e pragmaticamente cristã. Trazia-lhe no semblante uma tristeza
descomunal, profunda, quase que doentia, fruto de uma vida ditada pela
cristandade. Observava-se nos olhos dele uma ânsia por liberdade, por ser ele
mesmo, de deixar-se de ser mais um fantoche produzido em série. Isto é um mal
comumente observado nas pessoas cerceadas pela religião. Era uma bomba prestes
a explodir e os estilhaços feririam qualquer um que atravessasse o seu caminho.
Infelizmente o Almeidinha atravessa o largo quando o bacharel explodiu.
Era ele um severo defensor
da família e dos costumes cristão até a aparição de Almeidinha. Trocavam farpas
diariamente através de seus escritos, que eram lidos por uma massa cada vez
maior de admiradores. O próprio Fausto não dormia pensando no dia seguinte para
ver as outras produções do escritor libertino. A tara do advogado chegou a
ponto de passar oito horas seguidas em frente ao computador esperando a
publicação dos excitantes e horrendos poemas.
Nunca os dois haviam se
visto, mas cada vez que o jovem escritor lançava seus poemas era como se uma
saraivada de mísseis fosse expelida das suas poesias e a retaliação sempre
vinha. O Dr. Fausto manifestava-se fervorosamente.
Transpareciam nas criticas
mais do que aversão aos escritos, transpareciam ódio e desejo. Sentimentos que
foram o combustível necessário para a fatídica morte de Almeida.
Dr. Fausto sempre espreitava
as idas e vindas do jovem escritor e apenas isso não bastava mais para saciar a
sede dele. Queria mais. O desejo tornou-se doentio, desvairado e insano. Sempre
que ele ouvia o nome de Almeidinha tremia-lhe o corpo inteiro. O ódio dava-lhe
mais tesão. Não sabia como lidar com esses sentimentos. Então, passou-lhe num
lampejo de pensamento uma forma de resolver o problema: deveria conversar
pessoalmente com Almeida.
Assim o fez. Dr. Fausto: entrou
em contato com Almeida e ambos concordaram em conversar. O encontro se deu numa
praça. Eram dez da noite e poucas pessoas passavam pela rua quando Almeidinha
despontou em frente a praça. Lá já se encontrava Dr. Fausto que balançava a
perna incessantemente. Quando avistou o rapazote sentiu um friume na barriga.
Não sabia se era ódio ou tesão.
--- Boa noite! --- Disse
Almeidinha.
E rapidamente a boca de Dr.
Fausto se abriu em disparada e jorrou-lhe uma infinitude de desejos reprimidos.
--- Tenho tesão em você.
Quero chupá-lo. Dá pra você...
Almeidinha embasbacado com a
situação soltou-lhes as mãos que agarravam ferozmente o seu quadril e disse-lhe
que não estava entendendo o ocorrido.
Rapidamente, o ilustríssimo
advogado se recobrou do que havia dito e num salto do banco da praça disse em
tom de ira:
--- Esqueça tudo o que eu
disse. Seu invertido. Esqueça tudo isso ou eu...
Ele saiu andando rapidamente
até sumir na esquina.
Almeidinha encarou a
situação como um acontecimento estranho e que lhe renderia no mínimo uma boa
lorota entre amigos. Mas a mente perturbada do Dr. Fausto não parava de
maquinar uma forma de destruí o fatídico acontecimento. Ele sentia-se na mão
daquele jovem permissivo.
23:45 e Almeidinha voltava da casa de alguns
amigos. Passava horas conversando sobre poesia e filosofia. A casa era bem
perto do Largo do Theberg e não representava perigo algum chegar tão tarde em
casa, Icó era pacata.
Mas nesse dia, perdeu-se o
ar soturno dessa cidade. Almeidinha deixou a casa dos amigos. Passava pelos
seculares tamarindeiros quando se sentiu observado por alguém. Ele olhou para
os lados e continuou sua caminhada em direção ao largo.
Passo adiante ele decide
parar num dos bancos da praça. Acendeu um cigarro. Adorava esperar a virada da
madrugada tragando um cigarro. Almeidinha deu uns tragos e ouvi alguns gemidos
estranhos, quase que grunhidos. Sentiu receio, mas permaneceu quieto e tentando
descobrir de onde provinha aqueles tenebrosos sons.
--- Eu só queria atenção e
um pouco de prazer nessa minha vida miserável...
Almeida ouviu claramente
essa frase e percebeu que saíra do beco entre a cadeia antiga e um casarão
secular.
O jovem destemido olhava
profundamente para a escuridão do beco e não temia os murmúrios que cada vez
ficavam mais forte. Ele caminhou alguns passos cautelosamente. Viu uma movimentação
estranha e conseguiu ver a silhueta de um homem declinado na parede.
Ele se aproxima para
oferecer ajuda.
Almeida tremeu-se
inteiramente, pois era o doentio advogado que se encontrava com seu membro de
fora, masturbando-se e proferindo palavras de desejo.
Fausto esticou a mão em
direção do jovem como se quisesse possuí-lo.
--- Calma Dr. Fausto. Eu vou
lhe ajudar.
O ditoso Dr. Fausto já não
existia. Ele se encontrava na sarjeta de si mesmo. Almeidinha era o seu ideal
de pessoa. Ele queira ser Almeidinha.
--- Sai daqui, não quero
pessoas imundas me tocando. Disse o insano advogado.
Almeidinha se afastou
temeroso ao ver os olhos profundos e arroxeados do pobre homem. Seu rosto
manifestava a mais profunda insanidade num homem. Seu falo estava ereto e
cabelos assanhados. Seus lábios ressequidos descamavam como pele de serpente.
Ele apontava a língua enquanto falava como se quisesse lamber Almeidinha.
--- Deixe-me ajudá-lo.
Insistiu Almeida.
--- Saia daqui...
Almeida sai caminhado em
direção a luz do poste e olha para os lados para pedir ajuda.
Ele escuta um assovio:
--- Psiuuuuuuuu!
Sentiu que era o Dr. Fausto
e pensou: --- Vai aceita a ajuda!
Ao virar-se foi alvejado com
um tiro certeiro.
Ele cai morto no chão.
Escuta-se outro estampido e
Dr. Fausto também cai morto.
Nunca mais se escreveu nada
naquela cidade.
Chico Carneiro
24/07/2013
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