domingo, 27 de outubro de 2013

Política surdo-mudo



 

    Assistir um filme seria o mais conveniente naquela tarde enfadonha e quente. Coloquei o filme no aparelho digital e logo comecei a me entreter. Chegaram meus primos que também é uma forma de entretenimento para mim, porém meu interesse naquele dia pelas peripécias que eles me proporcionavam eram miúdas comparada com o marasmo de sábado que me era proporcionado.

    A porta abriu rispidamente e um amigo meu fala ofegante: “Vamos para uma festa num sítio.”

    Apesar de ser num sítio, lá é onde se encontram os redutos e guetos mais afáveis que um “libertinus” possa busca, são educados dentro de suas possibilidades e extremamente sensíveis e delicados; como diria: Um Luxo!

   Nunca havia ido antes ao tal sitio onde iria acontecer a festa, mas de supetão me veio à vontade de confirmar minha ida e arriscar essa aventura campestre e logo disse: Eu vou!

    Ao cair da noite, os preparativos estavam todos prontos e agora era esperar o transporte – uma moto – para irmos à aventura.

    Chegou a moto e partimos em seguida, a estrada estava péssima e parecia mais estar montado numa britadeira do que em uma motocicleta. Andamos e andamos, até que chegamos à casa da avó do meu amigo, uma vilarejozinho, antes do lugar esperado para a festa. Cheguei coberto de quilos de terra, mas tudo era novo e não sabia em que proporção isso era ruim ou bom, poderia ser pior. Estava com as nádegas tremendo ainda dos solavancos que a tal MotoCross fazia e sentia as minhas pernas formigarem, mas isso era pouco perante a euforia que estava sentido para chegar logo na dita festa.

Entramos na casa da avó do meu amigo, casa comprida de muitas portas, caiadas de cores opacas, de alpendre baixo, cadeira de balanço do lado de fora e um senhor indiferente sentado que respondeu com instintivo aperto de mão ao: “Abença!”, que meu amigo dissera.

    Fiquei espantado com a frieza que o senhor fizera com meu amigo. Não falou nada, nem resmungou ou grunhido qualquer que os velhos normalmente fazem. Esperei do lado de fora, no alpendre e logo olhei para aquela figura quase que mumificada e exótica. Vi o braço dele se erguendo lentamente e o olhei com espanto porque pensei que iria me reclamar algo, mas apontou para a cadeira de balanço ao lado dele, sem emitir nenhum som.

    Acendi um cigarro e ele me olhou com uma cara que me preocupou na hora, mas logo foi desfeita com um leve sorriso no canto da boca engelhada de rugas e ele mais uma vez ergueu o braço e apontou para um cartaz de política rasgado que havia na parede da casa, então ouvi os primeiros espasmos de som estranhamente emitidos por ele e pensei que deveria esta tirando uma onda de minha cara, mas em segundos captei que não seria uma brincadeira, mas se tratava de um senhor surdo e mudo.

    Ele levantou-se com passos firmes e fez uns cinco gestos que foram o suficiente para entender de que se tratava de um ferrenho político e que conseguia transmitir sua mensagem com mais clareza do que certos políticos.

   Ainda não tinha captado qual lado partidário ele se retratava, posto que, o cartaz estava rasgado e fiz um aceno de dúvida para saber de qual lado ele estava querendo me falar.

    Havia somente dois grupos políticos na minha cidade e ele correu em direção à porta que estava aberta e a fechou e me mostrou o adesivo menor com o numero partidário e ele começou a acenar mais e mais, numa eloqüência que nem mesmo os políticos da minha cidade seriam capazes de tê-la.

     O senhor defendeu causas e idéias, salários, educação, pavimentação e até iluminação pública.

    Fiquei pasmo com o poder de convencimento daquele político surdo-mudo.

   Terminado o comício mais silencioso que já havia visto, joguei a ponta do meu cigarro fora e entrei. Fui comentar com o resto da família do meu amigo o quão grande sabedoria detinha aquele senhor tão singular e de opinião formada e me surpreendi mais uma vez, todos daquela casa política eram surdos e mudos.

    Sai da casa e acendi mais um cigarro e fiquei convencido de uma coisa, de que se todos os políticos fossem como a tal família excentricamente política, os comícios deixariam de ser menos barulhentos e com menos erros de português e provavelmente com mais ações feitas pelos políticos, visto que as ações feitas seriam mais perceptíveis do que os falados em palanques gigantescos de artistas pop.  

 

Chico Carneiro.

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