Política surdo-mudo
Assistir um filme seria o mais conveniente
naquela tarde enfadonha e quente. Coloquei o filme no aparelho digital e logo
comecei a me entreter. Chegaram meus primos que também é uma forma de
entretenimento para mim, porém meu interesse naquele dia pelas peripécias que
eles me proporcionavam eram miúdas comparada com o marasmo de sábado que me era
proporcionado.
A porta abriu rispidamente e um amigo meu
fala ofegante: “Vamos para uma festa num sítio.”
Apesar de ser num sítio, lá é onde se
encontram os redutos e guetos mais afáveis que um “libertinus” possa busca, são
educados dentro de suas possibilidades e extremamente sensíveis e delicados; como
diria: Um Luxo!
Nunca
havia ido antes ao tal sitio onde iria acontecer a festa, mas de supetão me
veio à vontade de confirmar minha ida e arriscar essa aventura campestre e logo
disse: Eu vou!
Ao cair da noite, os preparativos estavam
todos prontos e agora era esperar o transporte – uma moto – para irmos à
aventura.
Chegou a moto e partimos em seguida, a
estrada estava péssima e parecia mais estar montado numa britadeira do que em
uma motocicleta. Andamos e andamos, até que chegamos à casa da avó do meu
amigo, uma vilarejozinho, antes do lugar esperado para a festa. Cheguei coberto
de quilos de terra, mas tudo era novo e não sabia em que proporção isso era
ruim ou bom, poderia ser pior. Estava com as nádegas tremendo ainda dos
solavancos que a tal MotoCross fazia e sentia as minhas pernas formigarem, mas
isso era pouco perante a euforia que estava sentido para chegar logo na dita
festa.
Entramos
na casa da avó do meu amigo, casa comprida de muitas portas, caiadas de cores
opacas, de alpendre baixo, cadeira de balanço do lado de fora e um senhor
indiferente sentado que respondeu com instintivo aperto de mão ao: “Abença!”,
que meu amigo dissera.
Fiquei espantado com a frieza que o senhor
fizera com meu amigo. Não falou nada, nem resmungou ou grunhido qualquer que os
velhos normalmente fazem. Esperei do lado de fora, no alpendre e logo olhei
para aquela figura quase que mumificada e exótica. Vi o braço dele se erguendo
lentamente e o olhei com espanto porque pensei que iria me reclamar algo, mas
apontou para a cadeira de balanço ao lado dele, sem emitir nenhum som.
Acendi um cigarro e ele me olhou com uma
cara que me preocupou na hora, mas logo foi desfeita com um leve sorriso no
canto da boca engelhada de rugas e ele mais uma vez ergueu o braço e apontou
para um cartaz de política rasgado que havia na parede da casa, então ouvi os
primeiros espasmos de som estranhamente emitidos por ele e pensei que deveria
esta tirando uma onda de minha cara, mas em segundos captei que não seria uma
brincadeira, mas se tratava de um senhor surdo e mudo.
Ele levantou-se com passos firmes e fez uns
cinco gestos que foram o suficiente para entender de que se tratava de um
ferrenho político e que conseguia transmitir sua mensagem com mais clareza do
que certos políticos.
Ainda não tinha captado qual lado partidário
ele se retratava, posto que, o cartaz estava rasgado e fiz um aceno de dúvida
para saber de qual lado ele estava querendo me falar.
Havia somente dois grupos políticos na
minha cidade e ele correu em direção à porta que estava aberta e a fechou e me
mostrou o adesivo menor com o numero partidário e ele começou a acenar mais e
mais, numa eloqüência que nem mesmo os políticos da minha cidade seriam capazes
de tê-la.
O senhor defendeu causas e idéias, salários,
educação, pavimentação e até iluminação pública.
Fiquei pasmo com o poder de convencimento
daquele político surdo-mudo.
Terminado o comício mais silencioso que já
havia visto, joguei a ponta do meu cigarro fora e entrei. Fui comentar com o
resto da família do meu amigo o quão grande sabedoria detinha aquele senhor tão
singular e de opinião formada e me surpreendi mais uma vez, todos daquela casa
política eram surdos e mudos.
Sai da casa e acendi mais um cigarro e
fiquei convencido de uma coisa, de que se todos os políticos fossem como a tal
família excentricamente política, os comícios deixariam de ser menos
barulhentos e com menos erros de português e provavelmente com mais ações
feitas pelos políticos, visto que as ações feitas seriam mais perceptíveis do
que os falados em palanques gigantescos de artistas pop.
Chico
Carneiro.
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